O meu isqueiro
__-Quanto é?
__-Trinta e nove dólares.
__Eu ainda não tinha comprado nada em Montana para trazer de lembrança. E eu nunca encontraria um isqueiro espetacular daqueles por trinta e nove dólares no Brasil. Mesmo que encontrasse, não compraria, porque ganhar trinta e nove dólares em Montana era uma coisa. Em Porto Alegre, é outra completamente diferente. Aquela era a hora de comprar um pecado para o resto da vida. Paguei com a dor de um contador mão de vaca que sabe que está gastando com um luxo absolutamente inútil.
__Até o fim da minha estadia em Big Sky, andei para lá e para cá com o isqueiro no bolso da minha jaqueta preta do Brasil. Não abri a mão nem para comprar uma jaqueta especial para o frio em uma cidade que vive temperaturas abaixo de 40 graus negativos, mas comprei um isqueiro. À noite, antes de dormir, brincava com ele no escuro. Os colegas achavam que ele era o máximo. Que compra!
__Pouco mais de um mês depois, chegou a hora de deixar Montana. O taxista que me levou até o aeroporto me contou sobre a raiva que os montanenses vinham cultivando contra os californianos cheios da grana que fazem fortuna na califórnia e compram terras e casas em Montana. Por causa desse movimento, vai ficando cada vez mais difícil para um montanense comprar uma casa na sua própria terra, pois os preços dos imóveis sobem sem parar. Uma pena para mim, que sonhei (e ainda sonho) em voltar para morar um dia por ali. Tudo bem. Pelo menos comprei um isqueiro de lembrança.
__Cheguei no aeroporto e fiquei registrando minhas histórias no computador até a hora do vôo. Veio a hora de passar pelos portões de embarque e pela segurança. Entrei na fila para fazer o strip-tease. Antes de qualquer vôo nos EUA, revistam não só nossas mochilas, mas também nossos cintos e nossos sapatos. Na minha vez de mostrar tudo, a segurança simpaticíssima que me revistaria falou:
__-Preciso da sua jaqueta.
__-Claro! Aqui está.
__Ela revistou bolso por bolso, até colocar a mão no meu querido isqueiro. Pegou, girou, analisou e disse, gaguejando, sem jeito, quase pedindo desculpas:
__-Senhor, isqueiros não são permitidos no avião...
__-E o que eu faço?
__-Você tem duas opções: pode voltar para o saguão do aeroporto e deixar o isqueiro com algum parente ou enviá-lo para algum endereço por Fedex.
__Pensei, pensei e pensei.
__-Não posso deixar esse isqueiro com o piloto? Daí ele me devolve quando chegarmos no destino.
__Para o meu azar, eu estava em um país sério, em que as chances de alguém fazer o que é pago para fazer são um tanto maiores do que no Brasil:
__-Infelizmente, não, senhor. Os pilotos também são proibidos de levar isqueiros. Não há como o senhor levar este isqueiro neste vôo.
__Pensei mais e mais, mas não havia o que fazer.
__-Moça, vou levar esse isqueiro comigo, você querendo ou não.
__Brincadeira! Eu jamais diria isso. O que eu disse, levantando os braços em sinal de conformação, foi:
__-Bem, acho que não há nada que eu possa fazer. Vou deixar o isqueiro aqui com você.
__-Sinto muito, senhor. Eu sinto muito.
__-Tudo bem, tudo bem. Você só está fazendo o seu trabalho.
__Olhei para trás e lá estava o Bryan, um amigo americano do Big Sky. Ele era o próximo da fila. Eu não sei como estava o meu rosto, mas o dele era pura tristeza. Ele estava sensibilizado por causa da minha perda inestimável.
__-Sinto muito, Renan. Eu sinto muito. Você é um cara legal, Renan. Você é um cara legal.
__Essa foi a história que marcou a minha despedida de Montana. Gostaria de trazer um pedaço de Montana comigo, mas foi Montana que ficou com um pedaço de mim: o meu isqueiro.
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__JJá no Brasil, casualmente encontrei o mesmo isqueiro por 375 reais. Só encontrei, não comprei.